A menina parecia-se com a vestal de uma estela funerária que há nessa cidade e que tem roupas, embora de pedra, finíssimas. Passava, pela mão da mãe, pela orla do terreiro, no ar denso de trovoada.
Esse terreiro onde se armavam as barracas da feira, agora deserto, varrido com ferocidade pelo vento, na hora nefasta do meio-dia, hora em que é perigoso passar debaixo de certas árvores ou contemplar as fontes, tem apenas alguns troncos como ossos de que brotam cotos carecas.
Dos arredores vinha um cheiro acre a queimadas que invadia as casas de mistura com as películas de cinza como se um grande fogo (daqueles que abatem uma a uma as árvores) rondasse a povoação.
Na areia eriçada e vermelha como pêlo, que as rajadas levantavam e atiravam para longe aos punhados, dois cães rodopiavam voltejando e espojando-se, colados um ao outro, pardos e rafeiros.
Os ganidos de um dos cães feriam o ar cinzento e abstruso como se lhe estivessem a fazer mal. A menina, aflita, gritou à mãe:
- O outro vai matá-lo!
Mas a mãe, embaraçada, calou-a:
- Não. É um cão e uma cadela. Não olhes para lá.
Então a menina tapou os ouvidos.
Adília Lopes
O Decote da Dama de Espadas (romances)
1988