Antologia de textos com cães dentro.

quarta-feira, 19 de março de 2008

A famosa rã saltadora

(excerto)

Smiley também tinha um bull-dog, olhava-se para ele e parecia não valer meio tostão furado. Banalíssimo. Dir-se-ia só servir para andar por aí, à coca para roubar o que pudesse. Mas mal se apostava nele, o cão ficava logo outro. A queixada esticava como a proa de um navio, os dentes brilhavam como navalhas nuas. O outro cão poderia morder-lhe, desafiá-lo, persegui-lo, atirá-lo ao ar duas vezes ou três que Andrew Jackson – era o nome do animal – não se importava. Até ficava contente, como se não quisesse outra coisa. Na maior.
Então é que as apostas subiam em flecha, duplicavam, triplicavam, quadruplicavam.
E de repente o cão ia-se ao outro, filava-lhe uma pata traseira e não a largava nem por nada. Quer dizer, ele não dava dentadas, não senhor. Limitava-se a abocanhar o rival e ficaria assim um ano se fosse preciso, até o outro se dar por vencido.
Smiley nunca perdeu dinheiro com o Andrew, até ao dia em que lhe apareceu pela frente um cão sem patas de trás, tinham-lhas cortado com uma serra circular. Depois dos preparativos do costume e das apostas todas feitas, Andrew Jackson preparou-se para filar o seu naco favorito do adversário. Só então percebeu que o tinham aldrabado, que o outro cão se estava positivamente a rir dele. Ficou meio apalermado, de goela aberta, nem queria acreditar. Baixou, por assim dizer, os ombros. Desistiu de lutar. Limitava-se a olhar para o dono, como que a dizer-lhe ter ficado com o coração em fanicos e que a culpa era toda de Smiley por não haver topado que ao inimigo faltavam as patas traseiras, no fundo o melhor trunfo de Andrew Jackson em qualquer combate.
Ainda deu uns passos, a coxear, e depois deitou-se e morreu. Um bom cão, aquele cão. Se tem aguentado, acabaria por ser famoso. Tinha qualidades para isso. Há que reconhecer-lhe uma boa dose de génio e, embora traído pelas circunstâncias, é absurdo não admitir que um cão tem que ter um talento muito especial para brigar daquela maneira.
Sinto-me sempre triste quando penso nesse último combate e na forma como aquilo acabou.

Mark Twain
A famosa rã saltadora
Tradução de João Alfacinha da Silva
Fenda, 1999

Oferecido por Rui Almeida.

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