Antologia de textos com cães dentro.

quarta-feira, 25 de março de 2015

(passagem de modelos)

   — Passa a realidade na pessoa do cão das quatro patas que nunca se encontrarão no solo ao mesmo tempo, a menos que se não trate da realidade em movimento.
   Assim, a realidade é realmente bípede e virtualmente quadrúpede.
   — Passa a realidade na pessoa da trela que liga o cão ao elemento terceiro ainda impronunciável. É uma trela em movimento, porque a realidade na pessoa do cão também o é, e espera-se que o suposto terceiro elemento da realidade também o seja. A realidade trela assegura a liberdade real da realidade cão e a limitação virtual dessa liberdade. Esta virtual limitação assegura a coordenação dinâmica do primeiro exposto elemento da realidade, do segundo que se está a expor elemento da realidade e do a expor terceiro elemento da realidade.
   — Passa a realidade na pessoa de uma pessoa ligada à realidade na pessoa de uma trela ligada à realidade na pessoa de um cão. É a realidade pessoa em movimento. Tem dois pés que nunca estarão no solo ao mesmo tempo.
   Pelo que a realidade é realmente unípede e virtualmente bípede.
   Nenhuma destas realidades é a realidade, nem os três elementos juntos são a realidade. Apenas os três elementos passando assim constituem a realidade.
   Isto pode ser uma arte poética.
   Também pode ser uma ironia.


Herberto Helder, in Photomaton & Vox, 3.ª edição, Assírio & Alvim, Outubro de 1995, pp. 81-82.

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