Em terras asiáticas, o arroz cultiva-se com muito cuidado. Quando chega a época das colheitas, cortam-se com suavidade os talos e juntam-se em cachos, para que os maus ventos não lhes levem a alma.
Os chineses da comarca de Sichuan recordam a mais espantosa das inundações havidas e por haver: ocorreu na antiguidade dos tempos e afundou o arroz, com alma e tudo.
Só se salvou um cão.
Quando por fim baixou a cheia, e muito lentamente se foi acalmando a fúria das águas, é que o cão pôde chegar à costa, nadando a muito custo.
O cão trouxe uma semente de arroz colada à cauda.
Nessa semente estava a alma.
Eduardo Galeano, in O Caçador de Histórias, trad. José Colaço Barreiros, Antígona, Setembro de 2017, p. 16.