O Verão adormeceu, mas vem ainda um sopro do calor da terra, uma insinuação. As gaivotas assumem os areais onde antes as horas foram ruidosas, e etc. Está um vento revoltado. Os cães, as cadelas, têm nomes de gente: Simão, Margarita, Afonso, Marinho, Olinda. As nuvens fazem impressão nos olhos.
O carpinteiro pega no robalo que dança dentro do balde com água e avança uns passos no final do pontão da praia em direcção ao além.
— Marinho! — grita o homem.
O rafeiro, com um nervoso miudinho, larga a correr no pontão e pára junto dos tornozelos do pescador.
— Busca! — ordena o homem, atirando o robalo ao mar.
Não fica a saber-se se Marinho pensou muito ou pouco, ou se chegou mesmo a pensar. Desceu pelas pedras do molhe e entrou no oceano com uma genica que concorreu com as fúrias do vento. Alguns latidos e logo mais nada. Muito depressa o Marinho ficou a confundir-se com espumas e algas. O carpinteiro pegou no balde e voltou para o lugar onde deixara a cana de pesca. Ajeitou o isco no anzol. Horas depois, gritou
— Olinda!
Mal ouviu, a cadelita disparou para os tornozelos do pescador que mostrava na mão um sargo contorcionista.
— Busca!
Abel Neves, in O Bibliófago e Mais Historietas Breves, Edições Adab, Abril de 2017, p. 18.