Antologia de textos com cães dentro.

domingo, 7 de outubro de 2012

PARA UM CÃO

Estiveste connosco onze anos.
Uma noite voltámos:
estavas estendido frente ao portão,
o focinho no pó da estrada,
as patas já frias, o dorso
quente ainda.
Agora estás todo
nesta cova que te abrimos.
Mas os onze anos
da tua humilde vida,
o gemer
sempre que alguém partia,
o sofrer de alegria
sempre que alguém regressava
- e à noitinha
se alguém
por uma tristeza sua
chorava
tu lambias-lhe as mãos:
olhavas para ele
e lambias-lhe as mãos -
oh, esses onze anos
do teu mudo amor
está tudo aqui
sob esta terra
sob esta chuva
cruel?
Agonizavas
na gravilha húmida:
levantaste ainda
uma pata - que tremia.
Agora ninguém te protege
do frio.
Já não te podemos chamar.
Já não te podemos dar
nada.
Só as folhas mortas
caem neste recanto
do relvado.
Pensar que algo mais resta
de ti
é impossível:
e por isso a nossa absurda
dor aumenta.

Antonia Pozzi
este agora
eleva-se como fumo quente em ar frio
este sereno agora

o cão abandonou o seu latido
a lebre abandonou a sua angústia
a flauta abandonou a boca humana
e toca sozinha

neste pobre e belo agora que luta
........contra a armada dos segundos
e se afoga num redemoinho
embora me vá sobreviver

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