Antologia de textos com cães dentro.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

THE POGUES


Here a Tower Shinning Bright

Once stood gleaming in the night
Where now there's just the rubble
In the hole here the paddies and the frogs
Came to gamble on the dogs
Came to gamble on the dogs not long ago

Oh the torn up ticket stubs
From a hundred thousand mugs
Now washed away with dead dreams in the rain
And the car-parks going up
And they're pulling down the pubs
And it's just another bloody rainy day

Oh sweet city of my dreams
Of speed and skill and schemes
Like atlantis you just disappeared from view
And the hare upon the wire
Has been burnt upon your pyre
Like the black dog that once raced
Out from trap two

sábado, 26 de janeiro de 2008


Rachel Howard, Black Dog

A FAMÍLIA QUE NUNCA EXISTIU (fragmento)

A Lady era uma cadela tão bonita. Nunca houve outra como a Lady. Nunca vi uma cadela como a Lady. Foi tão bonita até aos seus últimos três meses de vida, quando começou a cagar e a peidar-se pela casa toda. Tivemos de mandar fora os tapetes, alguma mobília, havia daquilo pela casa toda. Na verdade, cedemos-lhe mesmo a casa toda por gostarmos tanto dela. Não havia cão que protegesse a família como ela. Guardava as tampas do caixote do lixo. E que mãe! Nunca vi mãe melhor do que a Lady. Aquela cadela era melhor mãe do que a maior parte das mulheres.
Lembram-se quando a Lady teve cachorrinhos e eles nasceram todos mortos? Nunca conseguimos tirar-lhos porque ela era a Lady. Escondeu-os então pela casa - atrás do frigorífico, atrás do radiador, debaixo da alcatifa. Foi numa altura em que tivemos de ir de férias porque o Steve só tinha duas semanas de folga, e quando regressámos toda a casa cheirava a ANIMAIS MORTOS! Nós adorávamos aquela cadela. Adorávamos a cadela. Era a Lady. Era a Lady.

(...)

A minha cadela foi treinada para não ter medo da dor. O cancro avançou-lhe pelos intestinos até o traseiro ficar negro de sangue. Disse-me uma amiga que tinha sido eu a causar-lhe o cancro, que matara a minha própria cadela por não a amar o suficiente, por não a alimentar o suficiente, ou por deixá-la sozinha demasiado tempo. Não é para isto que servem os amigos? Para pensamentos amáveis podemos contar sempre com os nossos bem-amados.

Karen Finley
Tratamento de Choque
Trad. Jorge P. Pires
Frenesi, 2003

COMO UM CÃO

Ao canto da sala sentei-me
para esconder um desgosto.

Como um cão espancado pelo dono,
procurava a solidão.


João Camilo
Nunca Mais se Apagam as Imagens
Fenda, 1996

CÃO GRANDE E FUSCO

O gado desapareceu do monte. De noite, doninha de enigmas obscuros, vieram procurá-lo. Traziam varas de marmeleiro, lanternas, um cão grande e fusco. Ninguém avistara o gado. Malvadeza, as vacas tinham chocalho! Um dos homens segurava nas mãos um ouriço-cacheiro. Vale alguma coisa? Não, não presta. Ele pousou-o no chão, quando se previa outro desfecho: esborrachar o bicho contra o muro. Fomos ao posto da Guarda, ninguém nos atendeu. Estão a dormir, toquem na campainha. Assim foi: premiram o botão que acorda a autoridade. Que se passa? Não tendes relógio! Os homens contaram a história do gado desaparecido. Sim, malvadeza, senhor guarda. Um momento, disse o agente. Recolheu a cabeça, fechou a janela; desceu as escadas e, de chofre, mandou identificar o dono do cão grande e fusco. Multou-o. O bicho andava sem açaime. Os homens trocaram olhares, acenderam cigarros.

Francisco Duarte Mangas
O Homem do Saco de Cabedal
Campo das Letras, 2000

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

UM CÃO NA TERRA

Agora que tudo arde, o mundo todo
e as suas dúvidas, aí deitado entre cuidados
hospitalares e os sorrisos de quem te amou,
percebes que partir é transitivo, anónimo,
solitário, fica-se com alma de cão.

Não queres sofrer com quatro patas,
pedes que a viagem seja rápida, como
naquele verão em que
chegavas sempre mais cedo a todo o lado.

Não me lembro de muita coisa, agora
que te vejo entregue ao fim – nunca tiveste
um fim na vida, uma ideia, um relâmpago
que te lançasse no infinito.
Os relâmpagos sempre te caíram ao lado.

E vai. Talvez deixes muitas
saudades, coisa pouca, alegrias tristes,
o que deixa um miserável cão na terra –
um derradeiro latido de espanto.


Fernando Luís Sampaio
Falsa Partida
Assírio & Alvim, 2005

O CÃO

(El gos)

Talvez, sim, esteja velho,
velho e covarde
como um cão de casa rica.
Às vezes tenho pena de mim.
Quando vou pela cidade,
cheia de carros de tanta cor,
com gente jovem, alta e decidida
- as raparigas com os grandes penteados
e os olhos pintados -,
vejo-me tão pequeno e vacilante,
que tenho pena de mim
e dá-me para rir.

Não sei se lhes passa o mesmo.
A ti, que lês o jornal,
heróico e solitário,
não sei se te aconteceu
sentires-te tão covarde
como um cão abandonado
que mexe o rabo
porque tem medo
e quer causar compaixão.

Às vezes tenho pena de mim.
Quando vejo que lambo os pratos
e os ossos,
quando engraxo o cão potente,
quando sorrio à juventude
porque é juventude,
e aos velhos
porque são eles,
tenho pena de mim
e dá-me vontade de rir.


Joan Vergés
in Antologia da Novíssima Poesia Catalã
tradução de Manuel de Seabra
1974

Oferecido por Rui Almeida.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

XIX

Repugnam-me certos sons, mas o mais odioso
É para mim o ladrar dos cães, o seu ganir atormenta-me os ouvidos.
Só um cão oiço muitas vezes com feliz agrado
Ladrar e ganir, o cão que o vizinho criou.
Pois uma vez ladrou à minha rapariga, que à socapa
Veio ao meu encontro, e quase revelou o nosso segredo.
Agora, mal o oiço ladrar, logo penso que é ela que aí vem,
Ou recordo os tempos em que a esperada vinha.


Goethe
Erotica romana
tradução de Manuel Malzbender
Cavalo de Ferro, 2005

COMO SE FOSSE DIA

Um fingimento muito belo, fingir que nada sei
Que tudo é indiferente, coração de moer
Mágoa já muito morrinha
E outros tremeliques.

Tudo se resolve então desta maneira:
Duas lagartixas a deslizar pelos mistérios
Um cão a ladrar tão ao longe como se fosse dia.


Carlos Bessa
Em Trânsito
&etc, 2003

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Vi um cão todo nu
que olhando-me de esguelha
agarrou um osso da rua
e a correr foi-se meter
debaixo da escada


Miquel Bauçã
in Antologia da Novíssima Poesia Catalã
tradução de Manuel de Seabra
1974


Oferecido por Rui Almeida.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

atiçam os cães que
lhes rosnam dentro do
peito, os que lutam
alimentados nos poços da
alma numa
euforia velada e frustram, porque
aninhadas perante os
homens, violadas pela incapacidade
de rasgarem a carne com esses
focinhos e
tentam


valter hugo mãe
a cobrição das filhas
Quasi, 2002

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

O REGRESSO

À meia-noite regressei de barco
De lá para cá.
Havia luar toda a terra
Jazia como no tempo da peste.

Em sonhos um cão vadio
Uivava ainda ao vento
E embora nada me preocupasse
Isso apertava-me o coração.

Sarah Kirsch
Trad. Maria Teresa Dias Furtado
Hífen, 7

OBRAS DE CARIDADE

vigiar os polícias
ensinar os professores
confessar os padres
burlar os juristas
abater os talhantes
sangrar os médicos
condenar os juízes
difamar os críticos
morder os cães
comprar as batatas aos lavradores

Alberto Pimenta
Hífen, 7

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

8.

Somente esse cão velho aquece
o corpo moribundo no cimento
e no arco do braço sem alento
faz a cama o animal que tece

na rua a imagem doutro fim.
Desolação exposta vem da face
e de quanto sinal informe trace
o quadro de tal termo; e assim

a noite é comum e é real.
Nem patas nem focinho estremecem
na carne que abeiram - quando dobra

a febre o seu trânsito fatal.
E as mãos alongadas já não descem
lívidas, pela cidade que sobra.

Diogo Alcoforado
Pobres
Afrontamento, 2004


Oferecido por Rui Almeida.

Os chamados disparates da Índia (excerto)

Achareis rafeiro velho,
Que se quer vender por galgo;
Diz que o dinheiro é fidalgo,
Que o sangue todo é vermelho.
Se ele mais alto o dissera,
Este pelote pusera:
Que seu eco lhe responda,
Que su padre era de Ronda,
Y su madre de Antequera
,
E «quer cobrir o céu com a joeira».

Luís de Camões
Fixação do texto de Hernâni Cidade


Oferecido por Rui Almeida.
Enquanto os cães ladravam um ladrar
ralo de sono
que não chegou para acordar os donos
na noite doutros sonhos sem luar
e sem retorno
também cruzei por mim sem me chamar.

Helder Macedo
Viagem de Inverno
Presença, 1994


Oferecido por Rui Almeida.

SINFONIA PARA UMA NOITE E ALGUNS CÃES

De noite, um cão começa a ladrar; e,
atrás dele, todos os cães da noite
se põem a ladrar. Depois, o primeiro
cão cala-se. Pouco a pouco, os outros
também se calam, até que o silêncio
se instala, como antes de o primeiro
cão ter ladrado. De noite, não é
possível saber por que é que um cão ladra,
se o não estamos a ver. Talvez porque
alguém tenha passado por trás de um
muro; talvez por causa de um gato (essas
sombras que se esgueiram pelas portas).
Não é preciso encontrar razões concretas
para justificar a noite de todos os
cães; mas é verdade que um cão, quando
ladra, e acorda os outros cães, acorda
a própria noite, os seus fantasmas, e
obriga-nos a olhar, pela janela, o que
não se pode ver, isto é, o centro da
noite, o negro motor do mundo.


Nuno Júdice
Teoria geral do sentimento
1999


Oferecido por Rui Almeida.

MANHÃ

Um copo de névoa ao pequeno-almoço;
um rumor de vento com o pão;
um muro por detrás do ladrar do cão.


Nuno Júdice
O movimento do mundo
1996

Oferecido por Rui Almeida.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

sábado, 12 de janeiro de 2008

O UIVADOR

Tinham-me dito p'ra não passar pelo carreiro de Brigg's Hill,
Que em tempos tinha sido a estrada até Zoar,
Uma vez que Goody Watkins, enforcado em mil setecentos e quatro,
Deixara por ali certo vestígio monstruoso.

Mas quando desobedeci e tive à vista
A casa envolta em hera ao pé da grande escarpa,
Não pensei nem em olmos nem em cordas de cânhamo,
Antes me perguntei porque parecia ela inda tão nova.

Parara um pouco a contemplar o declinar do dia
E ouvia uns débeis uivos vindos de um quarto no alto,
Quando através das vidraças cobertas de trepadeiras
Um raio do pôr do sol colheu de surpresa o uivador.

Vislumbrei-o e freneticamente fugi daquele lugar
- e da coisa a quatro patas com uma face de homem.

H. P. Lovecraft
Os Fungos de Yuggoth
Trad. Nicolau Saião
Black Sun Editores
2002

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O que acontece no inverno na aldeia quando passam os cães do gado

I.

Aqui não há frio nem prados
nem o frio dos prados
vê-se simplesmente o buraco do arvoredo
por entre as falhas da lua
e os cães do gado afastam-se lentamente

dirigindo-se também eles ao sítio
onde uma luz crua ilumina duma vez o Inverno.

É assim o campo à noite
ninguém sabe se é campo, ninguém sabe se é noite

Porque nada se faz com a facilidade que pensamos
e as coisas aqui demoram como a pedra
e o sono dos lacraus.

Vê-se, isso sim, simplesmente o buraco do arvoredo
por entre as falhas da lua
e a luz primeira que veio por estes sítios

Se os cães do gado, mansos
e sabendo perfeitamente da pouca utilidade de dias assim tão
compridos
na eminência dos lobos,
se os cães do gado, dizia, assim se afastam
não é porque haja direcção
mas porque conhecem perfeitamente o movimento de rotação da
terra


II.

Afastam-se lentamente
pisando as folhas do Inverno anterior

E há falhas no arvoredo, prova inequívoca de que o céu existe.

Não há perdizes por aqui
já morreram da espera.
Impossibilitadas de cair de um tiro
despenharam-se elas mesmas conforme sabiam
indo cair exactamente aos pés das diversas falhas na folhagem.

Essa, a que deixa por entre si vir a lua.

É assim o inverno aqui
no lugar onde os cães se afastam por profissão

Não se sabe quando poderão parar
já que seguem através de uma marcha exterior ao que são.
Avançam lentamente
tendo talvez na ideia a ideia de um rebanho por ali.

E arrastam uma enorme cabeça de boi manso,
arrastam a cor e o cheiro
e pisam as folhas do inverno anterior.

Ainda persistirão,
parecem saber que têm de sair dali
embora, deslocando-se, não saiam do mesmo lugar.

É esse o abismo do tempo na aldeia


João Habitualmente, Os Animais Antigos, 2006.


Oferecido por manuel a. domingos.
O sol, como uma víbora
de fogo pelo ar
enrosca-se nas pedras,
sobre a casa, as vides, os caminhos,
e a terra morde-o
com os seus dentes cariados
como um cão raivoso.
E cega a saliva,
e exacerba as mortes,
e rouba suor terno
do corpo das crianças.
E cinge
com uma fita louca a metade
dos dias, o seu líquido
extermínio.
Sob a sombra
das figueiras passa
a brasa dos insectos. E até a água
toca o cio bestial das abelhas
e mosquitos gigantes
moribundos e loucos.
É verão e é julho, e na sua noite
por um poço desce a frescura da lua.
Por um poço de cigarras debilitadas,
afogada já a sua febre, devorada
a sua luxúria na sesta.

Juana Castro
Trad. Amadeu Baptista
Cadernos de Poesia Hífen N.º9

Os Cães do Tempo

O tempo tem mastins que erguem as vozes
hostis contra o rodar da carruagem,
o passo acomodando à abordagem,
por igual insolentes e ferozes.

Cerra ouvidos, podendo, por que gozes
dos solavancos a breve vantagem,
que muito cedo verás a viagem
tolhida de fracturas, anciloses.

E à tenaz, intrépida matilha
podes, querendo (ingénua armadilha),
lançar acaso um osso do farnel.

Deter-se-ão talvez; mas o antigo
olfacto lhes dirá que o inimigo
segue a bordo – e retomam o tropel.

A.M. Pires Cabral, Os Cavalos da Noite, 1982.

Oferecido por manuel a. domingos.

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