Antologia de textos com cães dentro.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

O que acontece no inverno na aldeia quando passam os cães do gado

I.

Aqui não há frio nem prados
nem o frio dos prados
vê-se simplesmente o buraco do arvoredo
por entre as falhas da lua
e os cães do gado afastam-se lentamente

dirigindo-se também eles ao sítio
onde uma luz crua ilumina duma vez o Inverno.

É assim o campo à noite
ninguém sabe se é campo, ninguém sabe se é noite

Porque nada se faz com a facilidade que pensamos
e as coisas aqui demoram como a pedra
e o sono dos lacraus.

Vê-se, isso sim, simplesmente o buraco do arvoredo
por entre as falhas da lua
e a luz primeira que veio por estes sítios

Se os cães do gado, mansos
e sabendo perfeitamente da pouca utilidade de dias assim tão
compridos
na eminência dos lobos,
se os cães do gado, dizia, assim se afastam
não é porque haja direcção
mas porque conhecem perfeitamente o movimento de rotação da
terra


II.

Afastam-se lentamente
pisando as folhas do Inverno anterior

E há falhas no arvoredo, prova inequívoca de que o céu existe.

Não há perdizes por aqui
já morreram da espera.
Impossibilitadas de cair de um tiro
despenharam-se elas mesmas conforme sabiam
indo cair exactamente aos pés das diversas falhas na folhagem.

Essa, a que deixa por entre si vir a lua.

É assim o inverno aqui
no lugar onde os cães se afastam por profissão

Não se sabe quando poderão parar
já que seguem através de uma marcha exterior ao que são.
Avançam lentamente
tendo talvez na ideia a ideia de um rebanho por ali.

E arrastam uma enorme cabeça de boi manso,
arrastam a cor e o cheiro
e pisam as folhas do inverno anterior.

Ainda persistirão,
parecem saber que têm de sair dali
embora, deslocando-se, não saiam do mesmo lugar.

É esse o abismo do tempo na aldeia


João Habitualmente, Os Animais Antigos, 2006.


Oferecido por manuel a. domingos.

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