Antologia de textos com cães dentro.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

DA ESPÉCIE

   Os homens pertencem à mesma espécie que os cães, os gatos, as vacas, os cavalos, as ovelhas, os burros, os gansos, os porcos, os bois e as cabras. Na linguagem humana encontram-se muitas provas desta identidade: Cão que ladra não morde; andar à bulha com cães e gatos; morrer como um cão; fazer figura de urso; és um porco; és um burro; pegar o boi pelos cornos; sonhar com galos é traição; parece um galo de capoeira; não há paz onde cante a galinha e cale o galo; galinha de campo não quer capoeira; perdiz só é perdida quando quente não é comida; cantar como o rouxinol; a cabra maior engole a menor; quando a víbora pica, remédio na botica; a cavalo dado não se olha o dente; boi luzidio nunca tem fastio; pássaro do campo não quer gaiola; quem não tem cão caça com gato; não há ninguém sem o seu pé de pavão; roncar como um porco; burro contente vive eternamente; andar emburrado; ser uma azémola; chato como uma melga; quem vende sardinha, come galinha; das águias não nascem pombas; a cada ovelha a sua parelha; onde o galo canta aí janta; a cabra apregoa mele e vende azeitonas; quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele; pelo cão se respeita o patrão; prender o burro; raposa que dorme não apanha galinhas; raposo na toca cisma em paparoca; ao carneiro não lhe pesa a lã; asno que a Roma vá, asno vem de lá; etc.; etc.
   Não tenho tempo para estudar estas frases, mas fica claro que os homens, na confusão do primitivismo dos seus pensamentos, atingem, ainda que por carisma, uma certa noção das categorias.

Max Aub, in Manuscrito Corvo, tradução e prefácio de Júlio Henriques, Antígona, Junho de 2017, p. 76.

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