Antologia de textos com cães dentro.

domingo, 28 de outubro de 2007

CÃO MORRE DE SEDE E DE FOME EM EXPOSIÇÃO

Cão exposto
Um artista da Costa Rica, Guillermo Habacuc Vargas, expôs um cão vadio faminto numa galeria de arte. Ninguém o alimentou ou lhe deu água, morreu durante a exposição. Guillermo Habacuc Vargas foi o artista escolhido para representar o seu país na "Bienal Centroamericana Honduras 2008". Existe uma petição onde é pedido que ele não receba este prémio. Por favor assinem preenchendo o Nome, email, Localidade e País.

Recebido no e-mail.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

NAS MARGENS DO DORDOGNE

Os cães uivam
chamam a noite. Com todo
o desespero dos animais.
O rio arrasta-se até
às estrelas. Nós pomos
as pedras no barco.

Hans-Ulrich Treichel
Como se fosse a minha vida
1994

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

DIÁRIO DE UM LOUCO (fragmento)

Novembro, 11
Hoje estive no gabinete do nosso director, afiei para ele vinte e três penas e, para Sua - ai, ai! - Excelenciazinha, afiei quatro. O director adora ter imensas penas em cima da mesa. Uui! Deve ser uma grande cabeça! Sempre clalado, mas a cabeça, acho eu, sempre a reflectir muito. Gostaria muito de saber o que, preferencialmente, ele pensa, o que se trama naquela sua cabeça. Apetecia-me estar por dentro da vida desses senhores, ver de perto todos aqueles esmeros, equívocos, cortesanias, como é, o que eles fazem no seu círculo - era isso que eu gostaria de conhecer! Já pensei por várias vezes ter uma conversa com Sua Excelência, mas, cos diabos, a língua não me obedece: limito-me a dizer que está frio ou calor na rua, não conseguindo articular, definitivamente, mais nada. Gostaria de dar uma espreitadela pela sala de estar, de que apenas vislumbro às vezes a porta aberta, e por mais outra sala a seguir à de estar. Que rica decoração! Que espelhos e porcelanas! Gostaria de dar uma olhada por ali, por aquela parte da casa onde ela, Sua Excelência, vive - era isso que me apetecia! Ver-lhe o boudoir: como se espalham por lá aqueles frasquinhos, vidrinhos, flores, essas coisas que até faz medo respirar para cima delas; como paira lá o seu vestido, que mais se assemelha ao ar do que a um vestido. Gostaria de espiar o seu quarto de dormir... ali, penso eu, são só milagres, um paraíso que, penso eu, nem no céu existe. Que bom seria ver o banquinho onde ela, quando se levanta da cama, põe o pezinho, como calça no pezinho uma meia branca de neve... ai, ai, ai!, nada, nada, calo-me.
Hoje, entretanto, foi para mim como que uma iluminação: lembrei-me da conversa das duas cadelas que ouvira na Avenida Névski. «Ora bem - pensei -, agora vou saber tudo. é preciso interceptar a correspondência entre essas duas malditas cadelas. Hei-de tirar com certeza alguma coisa dessa correspondência.» Confesso que cheguei mesmo a chamar a Medji e a dizer-lhe: «Ouve, Medji, estamos aqui só os dois e, se quiseres, posso também fechar a porta e já ninguém nos vê... conta-me tudo o que sabes da menina. Como é ela? O que faz? Juro por Deus que não conto a ninguém.» Mas a manhosa meteu o rabo entre as pernas, encolheu-se toda e saiu devagarinho pela porta como se não tivesse ouvido nada. Suspeito desde há muito que o cão é bastante mais esperto do que o homem: sempre estive convencido, até, de que o cão sabe falar, só que tem um feitio teimoso. O cão é um político extraordinário: repara em tudo, em todos os passos do homem. Está decidido: custe o que custar, amanhã mesmo vou ao prédio de Zverkov, interrogo Fidèle e, se for possívl, intercepto todas as cartas que Medji lhe escreveu.
Nikolai Gógol
Contos de São Petersburgo
Trad. Nina Guerra, Filipe Guerra
Biblioteca Editores Independentes

UM CÃO LADRA

Um cão ladra, monótono, insistente:
dois latidos que se repetem, quando
a noite se apresenta e uma criança chora,
por perto. Uma persiana fecha-se.
O cão prossegue. Por vezes, apenas um latido,
como se estivesse cansado. Mas persiste.
A noite é esse latido. Não a vida,
monótona, insistente, que procura outra
metáfora. Por toda a noite, um cão ladra.

José Alberto Oliveira
Nada Tão Importante Que Não Possa Ser Dito
Assírio & Alvim, 2007


Oferecido por Rui Almeida.

ESCULTURA VILI

República do Congo
Séc. XVIII
Oferecido por Rui Almeida.

BALADA PARA HILDA BLUM

À meia-noite, os cães de Islington, de grande rasto azul perseguido, quase se abrigam em ti, no soluçar das estátuas.

Há luzes que riscam teu supremo perfil de hetaira abandonada: uma frase repousa imóvel no tempo de Karlsbad, a cabeleira fosca de Colette alastra na noite.

East Pakistan could find itself with more funds available than it has now. Even more appealing...

Pitonisa do silêncio, águia poluída que és!

Nas esquinas de Novembro, vais caminhando – secreto sorriso que sabes de cor, hesitaçao à beira dos semáforos.

Mas logo que os teatros se esvaziam, é nos degraus do foyers que te sentas sempre, aconchegada em teu velho casaco de marta, fumando lentamente o cigarro amarelo, indagando de nós a loucura que trazes.

... What do you mean we took land away from the Arabs? Don’t forget that Jordan took East Jerusalem by force in 1948.

Eu não sei, Hilda Blum, quantas ruas tropeças, que terra de que parque se apega aos sapatos arrombados que tens.

Minúscula e bêbeda, guardas na pequena mala, entre folhas de plátano, comprimidos, lenços esburacados, o bilhete escrito de forma soletrada no centro do álcool.

... «I’m just getting sweeter and sweeter» ... «I’m not so objectionable any more» ... press conference at wish she ... still contains a liberal pinch of salt.

Retiras as meias, e falas esquecidamente: do sinistro olhar do escultor que te quis o busto, do jeito que tinha outrora André Willy dizendo um poema no boulevard.

Martelada até nunca, a velha maquina esgalgada de tua litania investe contra a madrugada do quarto.

Agora Karlsbad são as estátuas, os cães que se abrigam em torno de ti.

Yesterday, after a lengthy public session, the committee...

E bebes e repetes: os longos jardins, os bigodes tão loiros do jovem Kronprinz, a tarde de Verão na Grande Corniche no tempo de após chá.

Mil e uma vezes pedes desculpa. Por ti e por nós – por todos os cães.

Depois, amarrotado o jornal da véspera, escutado o world service, bebes ainda, ainda.

«... was not the Old Vic...». So I asked myself, «why not make pubs for them to take home with them?»

E quando as horas se escoam, e o Sol vem rasando os cais do Tamisa, só fica do teu rosto, da noite que o leva, um clarão que desfalece de pó-de-arroz e carmim.

Pitonisa, Pitonisa!

... And this was tonight’s news.


Mário Cláudio
Itinerários - Contos
1993

Oferecido por Rui Almeida.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

MARINHA COM CACHORROS

Vi-os latirem para o mar,
treparem nas pedras que se empilham
no sopé do Mont Serrat
enquanto branquejavam murada
e bastiões do velho forte, feito museu.
Vi-os, cachorros, compondo seu balé de ferozes,
cheirando o quê, de meio à maresia,
era almíscar de fêmea, certeza de prole,
corneta indeclinável,
inodora para mim.
Vi-os maquinando a matilha
de focinhos de virilhas
e, de estéreis rochedos,
urdindo promíscua ilha.
Não os vi chegar. Mais cedo,
que eu, que transitava à toa,
teriam eles, cães, sido impelidos
a desertarem ruas, deveres de guarda,
ossos de aves. E gatos. E desertaram,
e o séquito
rumara colorido para a praia.

Ladravam para as ondas - vi-os. E as ondas
brigavam entre si, elas alheias:
Cães são navios. Eles, úmidos,
mantinham-se ali, caninos porém:
como salgando-se... Até
que desciam; mas subiam novamente
- eu sem entender. Às vezes,
um a outro abocanhava, mas irado,
não apenas por mostrar-se.

Era de tarde: trezentos e tantos da invasão holandesa.

Grato, mui grato,
o portentoso forte,
com seus fantasmas, com seus canhões apontados para o poente,
guarnecia o cio.

Wladimir Saldanha
Antologia 2007
Poetas na Surrealidade em Estremoz
Câmara Municipal de Estremoz
Abril de 2007

CÃES

Vê como eles andam
pela noite fora, esfregando a sombra
dos seus idênticos corpos longos nos muros
ou farejando-as, inclinadas, nas calçadas.

Pobres, livres, solitários
na nostalgia dos canis abandonados,
amordaçados por açaimos rebeldes e presos
a coleiras marcadas com os números da morte.
Aquele procura talvez a zona dos canais
e acabará no suicídio antes que amanheça.
Este outro vai procurar amor,
eterno rapagão quadrúpede
sem um tostão no bolso:
e com prazer fareja pelos cantos
pr'a se sumir na esquina de uma rua

Paolo Buzzi
Antologia do Futurismo Italiano
(original de Versos Livres, 1913)
Tradução de José Mendes Ferreira
1979


Oferecido por Rui Almeida.

POSTAL

Francis Picabia
(1879 - 1953)

O CÃO VIAJANTE

A notícia veio de São Paulo, trazida por Anhembi. Foi o caso que certo cavalheiro de posses – um grã-fino, diz a revista – regressou dos Estados Unidos em companhia de um cachorro de raça, lá adquirido. No aeroporto de Congonhas, diante dos funcionários da Alfândega, houve a abertura de malas, e verificou-se que quatro eram do cachorro: uma com roupas, outra com coleiras e focinheiras; uma terceira com vitaminas, e a última com alimentos especiais.
O comentarista fala na Revolução Francesa, que reagiu contra coisas dêsse gênero, e na Revolução Russa, que reuniu em museu as jóias oferecidas pelos aristocratas a seus cães e cavalos. Expus o caso a um cachorro de minhas relações, chamado Puck, e êle manteve comigo, por meio dos olhos e da cauda saltitante, êste diálogo quase maiêutico, embora às avessas.
– As malas eram quatro, diz você?
– Realmente, meu caro Puck.
– Com certeza eram malinhas à-toa...
– Não consta da notícia, mas presumo que fôssem malas consideráveis.
– E você quer insinuar com isso que cachorro em viagem não tem direito a mala?
– Não é bem assim. Pareceu-me que havia bagagem em excesso para viajante tão sóbrio de natureza, como – não é por estar em sua presença – eu considero o cão.
– E quantas malas tinha o grã-fino? Quarenta?
– A revista não diz, mas é de supor que trouxesse muitas.
– Você acha direito que um homem viaje com quarenta malas (por hipótese) e seu cão não tenha pelo menos quatro?
– Mas veja bem, Puck, o homem é um animal complicado e que se afastou da natureza. Vai a festas noturnas, que exigem equipamento especial; tem reuniões de negócio, de esporte, de amor, de guerra. Compra livros e até os lê. Precisa de tapetes, automóveis, discos, esmalte de unhas e tudo aquilo que vocês, mais felizes, não conhecem ainda, ou desprezam.
– Essas coisas são necessárias à vida?
– São, na medida em que a tornam mais agradável.
– E não seria tempo de estendê-las ao uso pessoal dos cachorros e de outros animais em condições de saboreá-las?
– Teòricamente, talvez. Não acha, porém, que seria caso de estendê-las antes a todos os homens?
– Elas chegam para todos?
– No estado atual da produção, é capaz de não chegarem.
– Então, que adiantaria?
– Pelo que vejo, você tomou partido francamente por sua espécie contra a minha, quando as duas se entendem há milênios.
– Engano, meu caro. O que você enxerga no gesto do grã-fino é a falta de sensibilidade diante da miséria alheia, quando eu enxergo precisamente um comêço tímido de sensibilidade, a abotoar-se como uma florzinha anêmica. Todo êsse cuidado com o cão, um simples cão (pois somos simples, e esta é nossa maior virtude), revela que o homem não está de todo perdido, e já começa a desconfiar da existência do próximo. Por enquanto tem os olhos baixos, e só repara em alguns de nós, de mais pedigree. Amanhã descobrirá as criancinhas, e dia virá em que...
– Êle se estimará a si mesmo, através dos outros?
– Não vou a tanto – resmungou Puck. – Também, você está exigindo demais de seus semelhantes.


Carlos Drummond de Andrade
Fala, amendoeira
1957
Oferecido por Rui Almeida.

DENIS-ANTOINE CHAUDET

Oedipe enfant rappelé à la vie par le berger
Phorbas qui l'a détaché de l'arbre
Paris, 1763 - Paris, 1810
Pormenor.


Oferecido por Rui Almeida.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

EM MEMÓRIA DO MEU CÃO

Sobre o campo fresco
Entre camomilas bravas e serralha
Recordo-te a brincar como criança.

Arfas depois solene,
Vens a correr depois lamber-me as mãos
E bebes a longos haustos a tarde
Mansa como o teu dorso
Mansa como os teus olhos.

Breve companheiro:
Olhava-te entendias-me
E de mim só querias puro afecto.

E te perdi também.

Se és Maltês errante no Além dos cães
Ao Senhor que tudo pode em tais domínios
Pede me seja, um dia, consentido
Entrar
E afagar-te ainda uma outra vez.

1981

Adalberto Alves
O Gume e o Tempo
1982

terça-feira, 9 de outubro de 2007

mamã

aqui estou
debaixo de terra
com a minha boca
aberta
e
incapaz de dizer
mãe,
e os cães passam a correr e param para mijar
na minha campa; tenho tudo
menos o sol
e o meu fato começa a ficar
estragado
e ontem
o que restava do meu braço
esquerdo desapareceu
resta pouco, como uma harpa
sem cordas.

ao menos um bêbado
na cama com um cigarro
pode ser a causa para 5 carros
dos bombeiros e
33 homens.

eu não
faço
quase
nada.

mas p.s. – Hector Richmond na campa ao
lado só pensa em Mozart e
gomas.
ele é
muito má
companhia.

Charles Bukowski, Crucifix in a Deathhand , 1965
versão de manuel a. domingos

domingo, 7 de outubro de 2007

SPACE DOG

LAIKA

terça-feira, 2 de outubro de 2007

EM LOUVOR E ACIDENTE

VII.

De mastigar os ossos nas sílabas espessas
este cão amargo rói os dias
sob o peso da chuva com a morte
por entre os lábios o marfim das pedras

com a lua a destruir os muros sucessivos
vai latindo. Um rio que passa
tão velho e transparente sacrifício
crescendo nesta sombra de ameaças

e pequenos acidentes de percurso.
É nas súbitas varandas que palavras
neutras ou amigas se recusam
concêntricas circulam e regressam

a espaços mínimos cada vez menores
onde não é possível respirar contigo.

Alberto Soares
Escrito Para A Noite
1984

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