Antologia de textos com cães dentro.

sábado, 26 de janeiro de 2008

A FAMÍLIA QUE NUNCA EXISTIU (fragmento)

A Lady era uma cadela tão bonita. Nunca houve outra como a Lady. Nunca vi uma cadela como a Lady. Foi tão bonita até aos seus últimos três meses de vida, quando começou a cagar e a peidar-se pela casa toda. Tivemos de mandar fora os tapetes, alguma mobília, havia daquilo pela casa toda. Na verdade, cedemos-lhe mesmo a casa toda por gostarmos tanto dela. Não havia cão que protegesse a família como ela. Guardava as tampas do caixote do lixo. E que mãe! Nunca vi mãe melhor do que a Lady. Aquela cadela era melhor mãe do que a maior parte das mulheres.
Lembram-se quando a Lady teve cachorrinhos e eles nasceram todos mortos? Nunca conseguimos tirar-lhos porque ela era a Lady. Escondeu-os então pela casa - atrás do frigorífico, atrás do radiador, debaixo da alcatifa. Foi numa altura em que tivemos de ir de férias porque o Steve só tinha duas semanas de folga, e quando regressámos toda a casa cheirava a ANIMAIS MORTOS! Nós adorávamos aquela cadela. Adorávamos a cadela. Era a Lady. Era a Lady.

(...)

A minha cadela foi treinada para não ter medo da dor. O cancro avançou-lhe pelos intestinos até o traseiro ficar negro de sangue. Disse-me uma amiga que tinha sido eu a causar-lhe o cancro, que matara a minha própria cadela por não a amar o suficiente, por não a alimentar o suficiente, ou por deixá-la sozinha demasiado tempo. Não é para isto que servem os amigos? Para pensamentos amáveis podemos contar sempre com os nossos bem-amados.

Karen Finley
Tratamento de Choque
Trad. Jorge P. Pires
Frenesi, 2003

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