Antologia de textos com cães dentro.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

CHESTER

Tenho quatro minutos e alguns segundos para te escrever,
o mesmo tempo das saudades-de-ti.

Tenho um piano para tocar e um cão chamado chester,
tenho tempo e uma toda vida,
uma paixão preta por uma mulher branca.

Aos poucos ficámos a gostar de ti.

Tudo muda, menos tu,
tudo muda, menos o que vou tendo.

Devias viajar mais
sem ligares ao mapa das ruas que esperam que te percas,
como eu,
debaixo da luz daquele candeeiro igual aos outros.

O que são sete anos?
Tenho pelo menos seis para te escrever.

Tudo muda, menos tu.

Devias respirar o ar,
devias fazer parte de um genérico
ou de um agradecimento especial.

Estás mais perto de onde já estás.

Tenho um suor que devias aproveitar melhor.
O teu, lembras-te, apenas me guia.

Devias ir mais ao circo e sentir falta da rede.

Aos poucos, ficámos a amar-te,
aos poucos percebemos os que dormem dontigo,
os que te chateiam, os que tu amas.

Tenho pouco tempo e um piano para tocar,
devias rir mais,
tenho uma cama vazia e tu uma cheia.

Devias olhar menos para o tempo,
não tenho criada mas quero te rum sonho escuro.

Há cidades que não nos ligam,
há um homem que te cola a um ensaio que tu sabes ganhar,
mesmo quando não queres, pedes um beijo e uma boa-noite,
esperas uma gravação e uma carícia para mais tarde.

Tu é que sabes, tem calma,
é isso que queres ouvir, tem calma.

Como é que se luta contra um prazer?
Com outro, vezes e vezes.

Devias cantar mais no duche,
de manhã, quando a força te vem.

Estás mais perto de estares calada,
mas só o vais perceber quando tiveres pouca certeza.

Tenho um suor que devias provar,
se quiseres eu troco.

Os artistas esperam um público,
descalços ainda nos ferimos.
Devias reconhecer o sangue e dançar.

Devias dançar de manhã,
eu não me importo, tenho o sono pesado
e um piano para tocar.

Aind anão sabes as notas, pois não?
Nem eu, graças a deus.

Devias cantar mais, ir à guerra
- é isso não é, é preciso ser teu inimigo.

Tenho um piano para tocar,
talvez não aguente as tuas manhãs,
mas posso tentar adormecer-te com um dó.
Sem grande pena.

Devias dar aulas aos que não te ligam,
devias ir mais com as outras,
tenho um vinho para te acompanhar.
Já notaste como te brindo?

Devias passar uma faca nas minhas mãos
e dizer tão finas.

Tenho um piano para tocar,
devias cantar mais pela manhã.

Tenho pouco mais que quatro anos e alguns dias,
graças a deus,
vou ter um cão melhor que o teu.

Nuno Moura
Soluções do problema anterior
1996

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