Antologia de textos com cães dentro.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

AURORA(S)

«Era um cão com muita teoria»
- explicou-nos, junto ao aquecedor,
na certeza de que Todorov
não frequenta a travessa do Alcaide,
ao Combro. Aurora, Dona Aurora:
guardiã provisória do declínio
(cor-de-laranja, juro) das paredes
ou dos dias - não há diferença.

Fiz questão de tirar eu próprio
do frigorífico a segunda Sagres.
Já houve naquela rua sete auroras
- não é um verso, apenas um dado
estatístico, vindo de quem sabe.
Algumas, como «histórias verdadeiras»,
casaram ou morreram - tanto faz.

O cão, sem nome, aceita o favor
da trela «noite demasiado morta»
(volta a dizer Aurora). É normal,
há coisas que acontecem sob a sombra
desmentida da cidade. Piano, dessa infância
triste, a apodrecer agora numa taberna
colorida. «P'ra mim é tinto» - repetem
já sem clientes os mais pequenos altares.

Enquanto um tecto sobre nós, vazio,
esconjura metáforas e recusa a noite.

Manuel de Freitas
[SIC]
2002

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