Antologia de textos com cães dentro.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

PÁGINAS DE CASA

PORTUGAL VISITED - 1955 (excerto)

O dia foi simples. Dois amigos ingleses convidaram-nos a ir almoçar à Arrábida, tomar banho e passeio. Um deles era coronel reformado dos lanceiros da Índia, o outro era major do mesmo regimento, também reformado. O coronel passava férias em casa do major, tinha trazido o último modelo de uma máquina fotográfica, queria retratos dos aspectos mais pitorescos do nosso país.
Almoçámos no Gama, pai do querido Sebastião da Gama, que no Céu ainda deve poetizar com maior perfeição. Na Arrábida, o inglês coronel apenas tirou uma fotografia, ao grupo de nós quatro. Depois demos uma volta grande. Fizemos mais de 150 quilómetros adentro de um dia lindo para, ao fim e ao cabo, pararmos à porta de um canil de luxo onde uns setenta cães iguais e quase todos autênticos estavam amestrados pelo chicote de um outro inglês simpático e que não era coronel nem major.
O nosso coronel desabrochou, ficou doido com a canzoada toda, puxou a sua máquina fotográfica cheia de mimo e tirou o rolo a todos os cães e cadelas, isolados, sós, em grupos casais, divorciados, amantizados, cães amando outros cães, cães de cadela amando cadelas, fotografia de pormenores com teleobjectiva, com focinho, orelhas e rabo, panorâmica de todos estes matrimónios e bicharada, o coronel levava uma recordação curiosa, pitoresca, de Portugal. O nosso homem da Índia, lanceiro de outrora, reformado com pontualidade, tinha ganho o dia. Os cães estavam felizes, davam ao rabo, lambiam gemadas, caldos de burro, sentiam-se perfeitamente à vontade no refeitório do canil onde dois lacaios se esmeravam a prepararem bons petiscos para eles saborearem. O coronel tirou mais fotografias, agora interessava-o as paredes do refeitório, retratar minúcias que lhe tinham passado despercebidas na sua primeira tentativa de visão global. Depois, com as fêmeas para um lado, e os machos para outro, ele perfilou-se e fez continência de despedida. O major, dois passos atrás, olhava maravilhado para a cena, eu tentava assobiar quando fui repreendido, assustava a calma da canzoada. Em Salvaterra de Magos prestei meu tributo ao luxo de uns cães e à sensibilidade canina de dois reformados do exército de Sua Majestade Britânica.

Ruben A.
Páginas (VI)
1970

Oferecido por Rui Almeida.

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