Antologia de textos com cães dentro.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

INSÓNIA

Madrid é uma cidade de mais de um milhar de cadáveres (segundo as últimas estatísticas).
Às vezes na noite dou voltas e soergo-me neste buraco em que há quarenta e cinco anos apodreço,
e passo longas horas ouvindo gemer o furacão, ou ladrar os cães, ou fluir brandamente o luar.
E passo longas horas gemendo como o furacão, ladrando como o cão enfurecido, fluindo como o leite do úbere quente de uma enorme vaca amarela.
E passo longas horas perguntando a Deus, perguntando-lhe por que apodrece lentamente minha alma,
porquê apodrecem mais de um milhão de cadáveres nesta cidade de Madrid,
porquê milhões de cadáveres apodrecem no mundo.
Diz-me: que horto queres adubar com a nossa podridão?
Receias que sequem para ti as grandes roseiras do dia,
as tristes açucenas letais de tuas noites?

Dâmaso Alonso
in Antologia da Poesia Espanhola Contemporânea
Tradução de José Bento
Assírio & Alvim, 1985


Oferecido por Rui Almeida.

Etiquetas

Seguidores