Antologia de textos com cães dentro.

segunda-feira, 9 de junho de 2008

A MÃE

Eu não existo, não existo senão no teu chão.
Quando tu gritaste e a tua pele tremeu
Ganharam lume os meus ossos.

(Minha mãe, prisioneira na sua pele,
Muda ao sabor dos anos.

O seu olhar é límpido, escapa à deriva
Dos anos ao fixar-me e ao chamar-me
Seu ditoso filho.

Ela não era uma cama de pedra, uma febre animal,
As suas articulações eram jovens gatos,

Mas a minha pele mantém-se para ela imperdoável
E ficam imóveis as cigarras na minha voz.

«Cresceste, deixaste-me para trás», diz ela lavando
Com vagar os pés a meu pai, e fica calada
Como uma mulher sem boca.)

Quando a tua pele gritou, ganharam lume os meus ossos.
Tu pousaste-me, jamais poderei retransformar essa imagem,
Eu era o hóspede convidado mas que matava.

E hoje, mais tarde, fiz-me virilmente estranho a ti.
Tu vês-me aproximar, pensas contigo: «Ele é
O Verão, ele faz a minha carne e aguenta
Os cães em mim vivos.»

Enquanto tu todos os dias vais morrendo, não junto
Comigo, eu não existo senão no teu chão

Em mim desfaz-se rodopiando a tua vida, tu não
Voltarás para mim, de ti nunca me hei-de curar.

Hugo Claus
in Rosa do Mundo – 2001 poemas para o futuro
Tradução de Fernando Venâncio
Assírio & Alvim, 2001

Oferecido por
Rui Almeida.

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