Antologia de textos com cães dentro.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

UM GIRASSOL

Poli-Maluco era o meu cão alentejano. Que morreu ontem num dia lindo de sol, com as flores a sorrir das suas cabriolas, com os pássaros a fazerem voo picado sobre as suas orelhas-capacho.
Poli-Maluco era livre de mais para viver: trouxera-o lá do Alentejo, cão de caça, cão de guarda, cão de tudo, cão sem raça, feio e farrusco. Um proletário de cabelos aos arrepios. Para meus filhos: «Pói-Maúco». Para mim: «Pói-meus-filhos».
Tinha um ano de idade: era um cão-garoto, cão-brincalhão, cão-cambalhotas. À tardinha, quando eu voltava do emprego, Poli-Maluco ia esperar-me à camioneta e dava sempre um festival de gracinhas para dono ver: corria como um bólide depois fazia uma travagem brusca no cimento e ficava a patinar uma mão cheia de metros. A seguir voltava aos saltos até ficar pendurado no meu peito, agarrado à camisola. Deitava-se no chão, dois metros adiante de mim, de barriga para o ar, a bater as patinhas: a bater palminhas.
Poli-Maluco tinha tais ganas de ver tudo, de correr tudo, de saber tudo, que parecia adivinhar quanto o tempo da sua vida tinha sido condicionado: meu querido Pói-Maúco era alegre de mais para viver. Meu querido Pói-Maúco era livre de mais para viver: morreu ontem esmagado pelos degredados do cem à hora, pelos prisioneiros da vaidade cromada, numa florida estrada dos arredores de Sintra: Pói-Maúco estava lá do outro lado a brincar com as borboletas e pinga-azeites e de repente deve ter sentido desejos de me falar.
Ficou estendido a meio do caminho: - naquela clara nesga dum trajecto que vai duma borboleta à amizade.

Eduardo Olímpio
Um girassol chamado Beatriz
1975

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Rui Almeida.

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