Antologia de textos com cães dentro.

terça-feira, 8 de julho de 2014

VIDERE LUCEM (um parágrafo)

E os versos? E a arte dos versos? É em tudo semelhante à luva de borracha que o pescador deixou cair na pedra do cais da Cantareira, quase à porta de Eugénio. Assim em abandono, caída sobre o rosa-borracha que lhe dá forma; e sem a vida que lhe deu a forma "mão"; e, sobretudo, sem o sangue que lhe deu o exacto pensamento de ter podido ser uma luva que calçou a palavra "mão". Assim perdida na pedra do cais, um cão de pelagem negra a abocanhou e levou para rasgar, rasgar. Ia um grande silêncio ao redor do cais. A luva talvez soubesse a fatias finas de salmão salgado.
 
João Miguel Fernandes Jorge, in No Verão é Melhor Um Conto Triste (2000)

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