Antologia de textos com cães dentro.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

A MATILHA

As mãos perderam a força,
nunca a tiveram a não ser no descanso,
a que havia não dava por isso e chegava,
mas ao sentir os cães ladrando tão perto,
há pouco, onde fui eu buscar
a nobreza que me dirigiu os passos firmes,
me endireitou tão direito,
me fez olhar à volta com ar tão quotidiano,
e mesmo até me segurou o chapéu na cabeça?
Onde a fui eu buscar para ir ali como se a noite
se tecesse em estrelas
e as ruas em flores de silêncio,
ali, sentindo atrás a baba e os uivos
e o tropel das unhas não retráteis?
E, quando ficaram exibindo-se junto ao candeeiro,
ainda prossegui,
cheguei ao fim e parando ofegante,
vendo a escuridão molhada além dos vidros embaciados
e vendo o deserto e o passado a que tudo pertencia,
vendo à excepção dos lábios futuros que só agora distingo,
tive saudades do tropel...
tive saudades dos latidos...
e do meu ar sereno útil,
que este que ficou não serve para nada;
tive saudades, tenho-as,
e se agora ladrassem debaixo da janela,
não sei o que faria -
talvez lhes desse um osso...
talvez me abandonasse inteiro...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
desse o que desse, equivalia...
pois equivalia!...
mas eu tomei gosto à baba, cães vadios!

6,7/11/39

Jorge de Sena
Perseguição
1942

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