Antologia de textos com cães dentro.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

AGORA O VERÃO PASSADO (fragmento)

No passado verão agora tantamente tão passado
verão coisa que na verdade vocês verão
leitores meus autores que verdade verdadinha não existe
no passado verão se o estive estive aqui
Que não sabia então que a solidão
das plantas no Inverno a solidão
do cão de francis bacon foragido
a solidão do cão de francis bacon
num quadrado encerrado e mesmo até geometrizado
acossado talvez pela delimitada dimensão
dum quadro exposto no museu de arte moderna
em nova york e visto agora numa má reprodução
na casa sobre o mar do meu amigo joão miguel
a companhia só possível fora dessa implacável simetria da
pintura que na vida tem cruel caricatura
desse cão fustigado a farejar a fuga
desta diária saga que nos suga
cão de antemão sozinho e só senhor da solidão
que não sabia então que a solidão
que a chuva a solidão a solidão a chuva
cheia na uva mas vazia ou só cheia de vazio aqui
que o não sabia sei-o eu sentado aqui agora
sentado aqui aonde vi senti perto de mim
a jacqueline que distante agora mais queria aqui
que quando no verão cegávamos os olhos do limão
no fundo desses copos desse péssimo gin tónico
ó meu amigo cão mais só que as devastadas plantas
mais acossado mesmo que os cuidados cactos
limitados capados nos regados vasos
cão que tens por contorno a companhia
que tens precisamente fora quanto dentro tanta falta te fazia
ó meu amigo cão dás-me tu pelo menos
a mim que não sei bem como sair de tudo isto
melhor que coisa alguma a tua mão?

Ruy Belo
Toda a Terra
1976

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