Da tartaruga retirar a tartaruga,
deixá-la ser apenas a não tartaruga.
Chove. As gotas molhariam seu atraso.
Eis o primeiro ciclo, o da falta.
A chuva insiste, toca as telhas de amianto.
A casa está fechada e quem está lá dentro
é a continuação da chuva e do amianto.
Esse o segundo ciclo, o do gesto.
Junto da casa, um quintal. Ainda não.
Quem sabe quando a chuva parar de insistir
eu compreenda as regras da perspectiva.
O que se retirara retorna. Silêncio.
À tartaruga chega-se por paciência.
Terceiro ciclo, o das coisas repetidas.
O coração subentendido do elefante
desce por uma linha que vai dar ao lado
do que se repetiu sem ter sequer e ainda
acontecido uma só vez. Analogia.
Junto do verso acima, novamente a casa.
No quintal dois cachorros latem sem parar;
um deles nada sabe acerca do elefante
e de seu coração localizado às pressas.
Entro na casa até que a casa deixe o texto.
O elefante é do lado de fora. Por isso
o quintal, os cachorros, os ciclos, a linha.
Interrompem-se então tamanho e referência.
Talvez viesse pelas águas. Improvável.
Sobre a copa das árvores a ventania.
A casa está vazia não por mera ausência,
mas para o aprendizado da subtração.
E a chuva, porque cai desde o terceiro verso,
além de chuva é extensão desse elefante.
A casa está vazia para que se saiba
do desapego que há em insistir no mesmo.
Mesa e pausa. A chuva caindo talvez
e apenas como efeito de profundidade.
Depois um dos cachorros. Não, acho que só
seu deslocar-se repetido até a porta.
A metodologia seguida do gesto.
Alguns pássaros seguem para o noroeste.
Tudo começa no elefante. Lentamente
a bala dentro do tambor, as leis da física.
Os pássaros aos poucos pousam no que sobra;
o pouso repetindo-se até haver árvores.
Espécie de equilíbrio natural nos ciclos
que haja ainda e a partir de agora apenas árvores.
E por haver apenas árvores, chego ao
cuidado que se ganha em se perder tais pássaros.
Assim, em cada projeção, seu negativo;
no que algo se levanta, algo também cai.
Compensação e equivalência. Revoada.
Os pássaros e as árvores segundo os peixes
que ausentes marianne moore quis próximos ao jade.
Em outro lugar deixo um jornal sobre a mesa.
As coisas são somente por faltarem todas.
Substituição e excesso. Continua.
Imitação do esquecimento o fato
de a primeira pessoa não ter posto
jornal algum na mesa. Mas espera.
Olha como retorna a tartaruga.
De seus ciclos inúmeros e três,
a segunda pessoa esta terceira.
Alguém, não sei, talvez um homem que
chegasse em casa com o tal jornal.
Me pergunto se já não o conheço.
Ele se olha no espelho e vê o pai,
depois pensa na chuva e na mulher.
Entre os dias então escolhe um dia
– anulação do dia anterior.
Quem sai, sai de onde quando entra na casa?
Ao elefante nada disso importa;
seu coração inchado ainda desce
ao vir por uma linha que vai dar
ao lado das palavras de quem chega.
E toca o chão. E quando o toca está
tocando notas menos simultâneas
que repetidas. Por exemplo, pássaros,
jornal, cachorros, telhas de amianto,
árvores, mesa, peixes e quem sabe
até todo o catálogo das naus.
Depois, lembro, alguém se olha no espelho.
Ainda não. A paciência insiste.
Sete anos de pastor jacob servia.
Introdução. O tempo do elefante.
Pausa e peixes. Mover-se em relação
ao que se move permanece imóvel.
Muda o registro, árvores mais pássaros
igual talvez a casa menos chuva.
Muda outra vez: a mesma marianne moore
– que traduziu até algumas fábulas
de la fontaine – ao ler o verso abaixo:
where there is personal liking we go.
Sim, hoje marianne, amanhã jacob
e assim seguindo, sob a mesma chuva,
de nome em nome até tocar o chão,
i.e., até que cicatriz alguma
possa impedir que homônimos raquel,
lia e filhos estejam entre os seus.
Da tartaruga retirar o não
que antecedia a coisa repetida.
Não para confirmá-la, já que é de
confirmação que a tartaruga inteira é feita.
Mas para contrapô-la ao elefante
e a seu ainda inchado coração.
Por isso que o que fica no lugar
do gesto é seu reverso e também extensão.
Colocar sobre a mesa tanto o pôr
como o não pôr jornal nem coisa alguma.
Anulação seguida de recuo.
Chove. As gotas contra o amianto
das telhas descobertas molhariam
por três vezes o não da tartaruga.
Leonardo Gandolfi
Antologia de textos com cães dentro.
quarta-feira, 4 de junho de 2008
Etiquetas
- A. M. Pires Cabral
- Abel Neves
- Adalberto Alves
- Adélia Prado
- Adília Lopes
- Adriana Areal Calvet
- Adriana Zapparoli
- Agustina Bessa-Luís
- Aimé Césaire
- Albert Camus
- Alberto Pimenta
- Alberto Soares
- Albino Forjaz de Sampaio
- Alexandre Bonafim
- Alexandre O'Neill
- Alface
- Álvaro de Campos
- Álvaro Fausto Taruma
- Amadeu Baptista
- Ambrose Bierce
- Ana Hatherly
- Anite
- Anna Swir
- Anne Perrier
- Anne Portugal
- Antonia Pozzi
- António Aleixo
- António Cabrita
- Antonio Gamoneda
- António Gedeão
- António José Forte
- António Manuel Couto Viana
- António Nobre
- António Osório
- Antonio Vivaldi
- Armando Silva Carvalho
- Armindo Rodrigues
- Augusto Baptista
- Azinhal Abelho
- Bernardo Santareno
- Bertolt Brecht
- Boris Vian
- Canção
- Carlos Alberto Machado
- Carlos Bessa
- Carlos de Oliveira
- Carlos Drummond de Andrade
- Carlos Leite
- Carlos Marques Queirós
- Carlos Nejar
- Catarina Santiago Costa
- CÉLINE
- Cesare Pavese
- Charles Baudelaire
- Charles Bukowski
- Charles Fourier
- Cristovam Pavia
- Dalton Trevisan
- Dâmaso Alonso
- Daniel Jonas
- Daniil Harms
- Décio Pignatari
- Dimíter Ánguelov
- Diogo Alcoforado
- Donald Bartheleme
- Eça de Queiroz
- Eduarda Chiote
- Eduardo Galeano
- Eduardo Olímpio
- Eduardo Pitta
- Eduardo White
- Elsa Anahory
- Ensaio
- Eugénio de Andrade
- Fabrício Carpinejar
- Fernando Alves dos Santos
- Fernando Assis Pacheco
- Fernando de Castro Branco
- Fernando Luís Sampaio
- Fernando Machado Silva
- Fernando Pessoa
- Ferreira Gullar
- Fiama Hasse Pais Brandão
- Filipe Guerra
- Francisco Bugalho
- Francisco Duarte Mangas
- Franz Kafka
- Gez Walsh
- Gil de Carvalho
- Goethe
- Gonçalo M. Tavares
- Gottfried Benn
- Guilherme de Azevedo
- Gustave Flaubert
- H. P. Lovecraft
- Hans-Ulrich Treichel
- Heitor Ferraz
- Helder Macedo
- Henrique Manuel Bento Fialho
- Henry David Thoreau
- Herberto Helder
- Hugo Claus
- Hugo Williams
- Imagem
- Inês Lourenço
- Irene Lisboa
- István Örkény
- Jacques Tati
- Javier Tomeo
- Jean Cocteau
- Jim Harrison
- Joan Vergés
- João Almeida
- João Camilo
- João de Deus
- João Habitualmente
- João Miguel Fernandes Jorge
- João Pedro Azul
- Joaquim Castro Caldas
- Joaquim Pessoa
- Jonathan Swift
- Jorge de Sena
- Jorge Fallorca
- Jorge Gomes Miranda
- Jorge Roque
- José Agostinho Baptista
- José Alberto Oliveira
- José Ángel Cilleruelo
- José António Almeida
- José Bento
- José Craveirinha
- José Pinto Carneiro
- José Régio
- José Ricardo Nunes
- José Santiago Naud
- José Saramago
- José Sebag
- Juana Castro
- Judith Herzberg
- Júlio Castañon Guimarães
- Júlio Henriques
- Karen Finley
- Karl Kraus
- Khalil Gibran
- Laís Chaffe
- León Felipe
- Leonardo Gandolfi
- Liberato
- Livros
- Luís de Camões
- Luís Miguel Nava
- Malcolm Lowry
- manuel a. domingos
- Manuel de Castro
- Manuel de Freitas
- Manuel de Seabra
- Manuel de Sousa
- Manuel Moya
- Manuel Resende
- Marcial
- Marcin Sendecki
- Marco Denevi
- Maria da Inquietação Fausto
- Maria F. Roldão
- Maria Gabriela Llansol
- Maria Velho da Costa
- Marina Tadeu
- Marina Tsvetayeva
- Mário Cesariny
- Mário Cláudio
- Mário Contumélias
- Mário-Henrique Leiria
- Mark Twain
- Max Aub
- Miguel Serras Pereira
- Miguel Torga
- Miguel-Manso
- Milton D. Heifetz
- Milton Torres
- Miquel Bauçã
- Miriam Reyes
- Narrativa Estrangeira
- Narrativa Portuguesa
- Natália Correia
- Neil Young
- Nicolau Saião
- Nikolai Gógol
- Nunes da Rocha
- Nuno Costa Santos
- Nuno Félix da Costa
- Nuno Júdice
- Nuno Moura
- Paolo Buzzi
- Paula Glenadel
- Pedro Homem de Mello
- Pedro Mexia
- Peter Levi
- Pierre Louÿs
- Poesia Estrangeira
- Poesia Portuguesa
- Provérbio
- R. Lino
- Rainer Maria Rilke
- Ramón Gómez de la Serna
- Raul Malaquias Marques
- Raymond Carver
- Rei David
- Renato Suttana
- Repórter X
- Roberto Juarroz
- Rogério Rôla
- Rosa Alice Branco
- Ruben A.
- Rui Baião
- Rui Caeiro
- Rui Carlos Souto
- Rui Costa
- Rui da Costa Lopes
- Rui Knopfli
- Rui Manuel Amaral
- Ruy Belo
- Samuel Beckett
- Sarah Kirsch
- Sergei Yesenin
- Sérgio Godinho
- Silvia Chueire
- Sítios
- Sophia de Mello Breyner Andresen
- Tomas Tranströmer
- Tymnes
- Urbino de San-Payo
- valter hugo mãe
- Vasco Costa Marques
- Vergílio Ferreira
- Vídeo
- Vinicius de Moraes
- Vitorino Nemésio
- Vladimir Maiakovski
- Wil Tirion
- Wladimir Saldanha
Arquivo do blogue
-
►
2021
(12)
- dezembro (1)
- setembro (1)
- julho (1)
- junho (1)
- maio (1)
- abril (1)
- março (2)
- fevereiro (1)
- janeiro (3)
-
►
2015
(10)
- dezembro (1)
- novembro (1)
- agosto (2)
- junho (1)
- abril (1)
- março (2)
- fevereiro (1)
- janeiro (1)