Antologia de textos com cães dentro.

sábado, 16 de junho de 2007

CÃES

Passou um rapaz e disse: «então, está aí, melancólico, a escrever um poema?»
K. podia responder-lhe que a poesia nunca fechara os olhos para a crueldade do mundo, antes pelo contrário; que a poesia nunca o impediu de entender a luta que travam entre si os princípios e as ambições, os ideais e a capacidade de fazer o mal; e que a ironia não vinha nada a propósito.
Para alimentar o mito da sua ligeireza e superficialidade, podia confidenciar que estava à espera de uma rapariga de olhos azuis, pequenas tranças.
Calou-se, porém. Que tinham os cães raivosos que ladrar-lhe quando, na solidão do café, ele começava a entrever o destino de outra perspectiva? Que tinham os amigos falsos que simular a simpatia do interesse quando ele, calado e quieto, já se esquecera de que costumam caluniar-nos quando viramos as costas?


João Camilo
A Ambição Sublime
2001
Oferecido por Rui Almeida.

Etiquetas

Seguidores